O crescimento observado especialmente na
última década no campo da Ecologia de Estradas
reflete a dimensão dos impactos biológicos,
sociais e econômicos que o tema abrange. Resultados de
investigações científicas sobre o tema
apresentam dados impressionantes: FORMAN & ALEXANDER (1998)
estimaram o número de vertebrados atropelados nas rodovias
em cerca de um milhão por dia nos Estados Unidos,
consistindo na principal causa de mortalidade direta deste grupo
associada às atividades humanas. O número de aves
mortas anualmente nas rodovias norte-americanas foi estimado em 80
milhões (ERICKSON et al. 2005),
sendo os números europeus igualmente alarmantes: quatro
milhões no Reino Unido, dois milhões na Holanda,
3,7 milhões na Dinamarca e 8,5 milhões na
Suécia (SEILER 2001). Os levantamentos de
atropelamentos integrantes dos estudos ambientais referentes ao
licenciamento de rodovias no Brasil, assim como os escassos estudos
acadêmicos sobre o tema, mostram um panorama similar em nosso
país.
O efeito de barreira, com a consequente
fragmentação de hábitats e as
decorrentes repercussões adversas relacionadas à
diversidade em seus mais variados graus, é outro efeito
importante, abrangente e complexo dos empreendimentos lineares (KELLER et al. 2005;
SEILER
2001).
O processo de licenciamento ambiental oferece uma excelente
oportunidade tanto para discussão de ideias, conceitos e
propostas, quanto para geração de conhecimento,
em particular se conduzido no aspecto técnico sob
critérios cientificamente válidos.
Para tanto, é necessário que sejam definidas
estratégias para responder as perguntas essenciais ao
processo de tomada de decisão, sejam adotados protocolos
replicáveis, organizados os dados de forma que possam ser
integrados com aqueles provenientes de outros empreendimentos, visando
produzir conhecimento em um patamar mais elevado e, por fim, que seja
capaz de avaliar os resultados obtidos e continuamente buscar novos
rumos, sem desprezar os conhecimentos já produzidos, mas
embasado neles. Estes aspectos são inerentes ao processo de
gestão adaptativa, proposto por SALAFSKI
et al. (2001) como uma forma
adequada de maximizar resultados nas áreas de
conservação da biodiversidade e manejo de
recursos naturais.
A partir da organização deste conhecimento se
torna possível definir estratégias de
ação para atingir os objetivos, neste caso,
compatibilizar as obras viárias e a
preservação ambiental, ambos de interesse
público. Definidas estas estratégias,
é essencial que as mesmas possam ser difundidas e
assimiladas pelos intervenientes no processo de decisão, que
incluem formalmente planejadores, técnicos e gestores, mas
no qual também participam a sociedade em geral,
políticos e cientistas.
Diversos órgãos governamentais no exterior
têm procurado definir guias de procedimento para
avaliação dos impactos das rodovias e
definição das medidas a serem adotadas para sua
mitigação e posterior monitoramento da sua
eficácia.
Com intenção similar, como resultado de
monografia apresentada no Curso de Especialização
em Diversidade e Conservação da
Fauna/Departamento de Zoologia/UFRGS (LAUXEN
2012), foi desenvolvido o presente Guia de procedimentos
(CONECTE), aplicável ao processo de licenciamento ambiental
brasileiro. Seu objetivo é reunir uma síntese do
atual conhecimento sobre os impactos conhecidos e a
mitigação daqueles que incidem diretamente sobre
a fauna. Da mesma forma, procura caracterizar as etapas do processo de
licenciamento ambiental e os dados necessários à
tomada de decisão em cada uma delas, assim como
propõe requisitos e métodos para o
diagnóstico, seleção de alternativas e
monitoramento de sua efetividade.
Optou-se por apresentar as questões relevantes em cada fase
do processo e as alternativas conhecidas e aceitas para sua
resolução, deixando a cargo dos envolvidos a
seleção da alternativa mais adequada, dadas
às especificidades de cada projeto e ambiente no qual se
insere. O fluxograma proposto pelo Guia (Figura 1) contempla uma
árvore de decisão restrita às
questões básicas do processo, pois a
multiplicidade de fatores envolvidos tornaria excessivamente complexa e
provavelmente pouco confiável uma proposta que objetivasse
identificar a solução ideal apenas com dados
hipotéticos. Acredita-se que, dispondo do
diagnóstico adequado e do referencial teórico
referente às medidas mitigadoras e suas
indicações, os técnicos
disporão dos dados necessários à
seleção das alternativas que melhor se adequem ao
projeto em análise. Sobretudo, há que se
considerar que, em um campo relativamente novo do conhecimento, existem
limitadas certezas e comprovações
científicas. É consenso, entretanto, que a
combinação de fatores bióticos e
físicos em cada projeto é única.
Pode-se, e é necessário que isto
aconteça, definir uma sequência de procedimentos e
padrões para realização de um
diagnóstico que permita a obtenção de
dados confiáveis, deve-se dispor aos técnicos
envolvidos uma base de conhecimentos atualizada sobre o tema, mas
atualmente é por demais ambiciosa a pretensão de
se estabelecer uma fórmula definitiva para
identificação de solução
única e capaz de ser implantada em todas as
situações.
Figura
1. Fluxograma do Guia de procedimentos para
mitigação de impactos sobre a fauna.
Dos quatro módulos principais que
compõe o Guia, dois foram estruturados com menor
complexidade e aprofundamento (Avaliação dos
Impactos Ambientais e Monitoramento), por não integrarem o
escopo da monografia, e dois foram desenvolvidos integralmente, embora
não definitivamente, pela própria natureza da
ferramenta e dos temas (Licenciamento ambiental e Medidas mitigadoras).
Um quinto módulo foi incorporado, embora apenas de modo a
ilustrar seu potencial, carecendo de melhor
formatação e desenvolvimento, denominado
Informações geográficas, com o
objetivo de enfatizar a necessidade da utilização
desta ferramenta e suas possibilidades. Aprimoramentos futuros incluem
a inserção de um mecanismo de busca na
bibliografia, por meio de palavras-chave a serem localizadas nos campos
título, autor, resumo e mesmo no teor dos documentos,
módulo de estudos de caso nacionais e links para grupos de
pesquisa, pesquisadores, consultores e interessados em geral.
Os autores estimulam a participação e
envolvimento de todos os interessados no desenvolvimento deste projeto,
por meio de críticas ou sugestões que visem
consolidá-lo como uma ferramenta cada vez mais
útil na geração, análise e
divulgação de informações
sobre o tema.
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